29.8.08

Próxima parada: Sé

Avistei de longe o topo de uma igreja. Em minha ingenuidade interiorana jamais pensei que aquela fosse a catedral da Sé, apesar de tê-la visto outras vezes em uma ou duas passagens por lá. Estávamos apenas há alguns metros da Liberdade, achei que a praça da Sé fosse há quilometros de distância...
Mas ali estava ela: grandiosa e imponente. Suas abóbodas pareciam querer alcançar os céus. Ou será que pretendia fazer-nos pequeninos diante de suas superlativas proporções?
Mas de nada serve toda sua magnificência àqueles miseráveis que buscam um pouco de conforto para seus corpos e almas cansados, esgotados, dilacerados pela dureza da vida. Tudo o que ela pode oferecer a esses trapos humanos é o consolo de suas pedras frias e vazias. Ali eles dormem, comem, defecam, mijam, gozam, sonham, choram, riem... Sobrevivem
São Paulo, terra das contradições, dos paradoxos, dos abismos. Nela habitam o sagrado e o profano, o feio e o belo, a alegria e a tristeza, a riqueza e a miséria, a dor e o amor... a dor...
Todo aquele grandioso e belo monumento fedia a mijo e excremento. A miséria humana infestada em todos os espaços, impregada em nossa pele, colada na retina, grudada em nossas narinas. Demasiada humanidade para mim... a vontade é de correr para bem longe.

30.7.08

O norte de nossas bússolas

Passamos então subir a alameda. Voltamos ao fluxo, mas do lado contrário.
Preenchíamos os vãos, os poucos espaços que restavam entre os vários transeuntes que disputavam um pedaço a calçada.
Descer foi mais fácil, mas subir trouxe uma outra percepção daquele fluxo que nos atravessava. Do outro lado da rua foi possível tomar uma certa distância daquela frenesi que antes nos arrastava e, refletir. Depois de tantas descobertas nós nunca mais haveríamos de ser os mesmos. A verdade é que tomamos gosto pelo desconhecido, pela aventura de navegar sem rumo certo, sem ponto de chegada ou beijo de namorada.
Ousamos cruzar a linha da incerteza e agora, estávamos de volta ao nosso ponto de partida: estação Liberdade.
Era chegada a hora de atracar no porto. Entramos em uma lanchonete, sentamos, bebemos, descansamos e partimos novamente, a fim de alcançar novos horizontes.

A estação de metrô ficou para trás, e a Liberdade passou a ser não mais um lugar, um bairro, um espaço físico, mas a nossa direção. Liberdade tornou-se, enfim, o norte de nossas bússolas.

29.7.08

Flor de lótus

Estávamos sedentos por novidades, cheiros, gostos, rostos, objetos, curiosidades. Dali pra frente foi uma surpresa atrás da outra. Eu e Zé entrávamos em toda e qualquer porta, galeria, loja e o que mais nos interessasse.
Eram utensílios de culinária oriental, roupas, relógios, espadas samurais, artesanatos, lanternas japonesas. Enfim, um universo contido no espaço de um único bairro.
Passamos por um viaduto. Nas calçadas se dava uma feira, meio que de improviso. Precárias mesas exibiam as mais diversas mercadorias: iguarias orientais, animes, dvds e cds piratas de música japonesa e até mudas de flor-de-lótus.
Pela primeira vez na vida vi uma flor-de-lótus. Era muito bonita, exótica. É o tipo de coisa que você ouve falar durante toda sua existência, mas que nunca espera encontrar até dar de cara com ela à venda bem ali, no meio da calçada.
Andamos que andamos até chegar ao final do fluxo, pessoas e movimento. De repente estávamos diante de uma rua qualquer, com o negrume de seu asfalto, as calçadas cinzentas e as paredes sem graça. Então, demos meia volta e retornamos ao fluxo da multidão, mas dessa vez no sentido contrário.

26.6.08

Estrangeiros

Todos seguiam num ritmo frenético e, nós, perdidos em meio a multidão só conseguimos seguir o fluxo e nos deixar levar.
Na primeira parada uma loja abarrotada de gente e uma interrogação:

- Mas o que será que tem aí?
- Não sei. Mas, vamos aí...

Entramos.
Sem entender muito bem do que se tratava a loja, nos deparamos com prateleiras cheias de produtos nunca vistos por nenhum de nós dois. Todos eles estavam revestidos com as mais estranhas e coloridas embalagens, e os escritos eram totalmente alheios à nossa compreensão. Aos poucos deu pra sacar que era uma loja de alimentos japoneses e, que estávamos na seção de doces. Percebi isso porque lembrei-me das esquisitas guloseimas que eu havia experimentado com uma garota coreana que havia namorado anos atrás. Ela adorava aqueles doces japoneses. Para mim, eles possuíam um gosto muito exótico, afinal, quem é que tem o costume de comer de sobremesa um doce de arroz, cujo recheio é feito de feijão?
Todos aqueles produtos, rostos, falas, escritos, ritmos me fizeram experimentar a sensação de ser um estrangeiro. E o que é mais louco ainda, um estrangeiro em meu próprio país. Falei para meu companheiro de aventuras que sentía-me em outro mundo. Era um tubilhão de sensações!
Achávamos tudo aquilo fantástico. Abria-se para nós um universo completamente novo e desconhecido.

Ao caminharmos para a saída do estabelecimento, vi um cartaz que chamou minha atenção:
- "Procura-se atendente que fale japonês fluente".

"Ufa!" - pensei comigo - "pelo menos isso eu conseguia compreender".
Será?

25.6.08

Para onde o desejo aponta

Ao passarmos pelas catracas, seguimos pelo corredor à esquerda. Rapidamente, começamos a ver a fria e cinza passagem de croncreto transformar-se e dar lugar aos raios de sol do outono.
A princípio, a Liberdade nos pareceu como uma estação de metrô qualquer, uma como tantas outras cravadas nas paisagens de São Paulo. Porém, depois dos primeiros passos dados, já nos deparávamos novamente com mais um dos belos paradoxos que a cidade abriga.
O bairro da Libedade possui, por um lado, um aspecto provinciano - senhoras orientais de idade, que caminham pelas calçadas da megalópole com o corpo curvado, e seu jeito e passo tímidos, como se estivessem em uma pequena cidade do Japão - e; por outro lado, uma face ultramoderna - adolescentes despojados, sentados por todo chão da estação, com cabelos multicoloridos, multiformes, misturando roupas de diversas estampas com o xadrez, as bolinhas e os riscos, falando de animes, rock, mangás e outras coisas que só eles parecem entender, como se tivessem uma linguagem própria, alheia à nossa.
Na banca, jornais e revistas em português e japonês. E ainda, jornais impressos no Brasil, só que escritos com ideogramas. Na praça ao lado, toca um daqueles grupos que rodam o mundo todo tocando flautas de madeira e que a gente nunca sabe bem se são índios andinos ou norte-americanos. Será que isso importa?
O fluxo de gente aponta para a direção contrária de onde estão os músicos, e é para lá que nosso desejo se volta, para onde está a multidão.

12.6.08

Enfim, um pouco de Liberdade

Liberdade. Talvez seja essa a palavra que resuma todas as sensações dessa enlouquecida aventura.

Depois que ouvimos a mensagem no metrô eu disse:
- Zé, sempre quis parar aqui e conhecer a Liberdade.

Havia algo naquele local - pelo menos na imagem que eu fazia dele - que me fascinava. Talvez fosse minha curiosidade pela cultura oriental, ou então meu fetiche pelas garotas de olhos puxados - eu tinha a doce ilusão de que neste bairro até mesmo as prostitutas seriam japonesas - , não sei dizer por que sentia tanto desejo de ir ali. Só sei que meu desejo queria me arrastar para lá de qualquer maneira.

Meu amigo então respondeu:
- Cara, vamos descer então.
- Sério?

Por um momento eu senti um grande frio na barriga. Minhas entranhas começaram a se contorcer, não sabia se por medo, ansiedade ou excitação.

- Sério. Quando estive em Paris com Marília, seguiamos todos aqueles roteiros prontos para turistas, mas teve um dia em que me enfezei e disse: "Quer saber de uma coisa, que se foda tudo isso" e amassei todos os guias e roteiros. Daí, eu e Marília olhávamos para o mapa do metrô, escolhíamos uma estação que nos chamasse a atenção e descíamos.

- Putz! É mesmo? Sério?
- É. A gente descia, olhava, curtia e depois voltava para o metrô, a fim de escolher outra estação qualquer e fazer a mesma coisa. O barato é esse, andar por lugares diferentes. Aqueles que não estão inclusos nos roteiros são os mais legais.
- Ah, Zé. Então vamos...

Quando o metrô parou descemos e seguimos o fluxo da multidão que nos empurrava direto para a saída. Aos poucos começamos a ver os raios de sol que iluminavam a porta.

Enfim, um pouco de Liberdade.

Próxima estação: Liberdade

O café da manhã de um hotel - seja este de uma ou dez estrelas - surge sempre como um banquete aos olhos de quem está acostumado a levantar-se todos os dias às 6h20 da manhã e engolir, quando muito, um pão murcho e um gole de café com leite.
Posso dizer que o sabor dos alimentos é ainda melhor quando se come de graça, isso porque eu estava de penetra no hotel. Meu amigo divide o quarto com mais um parceiro de trabalho e é a empresa que banca as despesas. Como seu companheiro viajara no feriado, pude desfrutar das inúmeras regalias que um hotel quatro estrelas pode oferecer: toalhas macias, frigobar, camareira, ducha natural, lençois limpos, tv à cabo e um café da manhã de rei. E olha que eu nem usufrui da academia, da pisicina ou da sauna que ficavam na cobertura do prédio.
Ao descermos para o saguão, me senti diante de um café colonial - aquele café típico das serras gaúchas, onde há rodízio de inúmeros pães, bolos, salgados, embutidos, doces e sucos -, claro que depois de um banquete burlesco como este, nem é preciso almoçar. Num lugar desses com tanta fartura, beleza, gostos e sabores, a gente se sente um pouco perdido. Você nem sabe por onde começa. Iniciei, então, minha refeição pelo pão de queijo. Nunca comi um tão quentinho e macio. Depois, passei às duas fatias de pão integral, presunto, queijo e requeijão. Tudo isso regado à suco Del Valle. Para finalizar comi uma dúzia de carolinas recheadas com o mais delicioso creme.
Saciados, subimos para o quarto. Tomei uma ducha para despertar. Emprestei umas roupas do Zé e logo saímos. Nosso destino era o Museu da Língua Portuguesa, há tempos queria visitá-lo. Andamos umas quadras, chegamos à estação de metrô do Hospital das Clínicas, compramos nossos bilhetes e embarcamos rumo à estação da Luz.
Enquanto o metrô zunia pelas estações íamos em pé, conversando freneticamente sobre todas as sensações que sentíamos estando em São Paulo. Éramos dois malucos apaixonados por aquela cidade. Falavámos de seus moradores, lugares, paisagens, estilos de vida, miséria, riqueza. Nada nos fazia parar, nem mesmo os estranhos ouvintes que nos circundavam e pareciam querer participar daquela cena.
Nosso diálogo só foi interrompido pela voz chiada e rouca do alto-falante do metrô que avisava:
- "Próxima estação: Liberdade".

11.6.08

Primeira noite paulistana

Após um dia cansativo de trabalho, viagens e aulas, pude desfrutar um pouco da noite paulistana. Aguardávamos nossa carona na porta do hotel. Gustavo é um dos sujeitos mais estranhos que já vi, mas um ser totalmente normal para São Paulo. Ele é descendente de judeus, morou um tempo na Austrália e namorava uma garota suiça. Trajava roupas de um típico boy metido à mano, mas em seu carro tocava Garth Brooks - algo que para pessoas do interior, como eu, só era ouvido por agroboys.
Rodamos vários lugares em busca de um lugar que transmitisse o jogo entre São Paulo e Fluminense. A noite foi regada à cerveja e futebol no telão. Depois do jogo saímos a procura de um local onde pudéssemos tomar cervejas de garrafa, comer porções e conversar. Paramos então no Armazém alguma coisa - meu cansaço e sono já eram tantos que nem consegui guarda o nome do lugar. Fiquei admirado de encontrar no banheiro um imenso tubo de listerine para higiene bucal. Bebemos umas cervejas e logo fomos embora. De lá, levamos Marília para seu apartamento.
Para chegar lá, tivemos que passar pelo Largo do Arouche e do famoso cruzamento entre Rua Ipiranga com a Avenida São João, eternizado na música Sampa, de Caetano Veloso. Nunca vi lugar mais triste, miserável e sujo - olha que locais assim em São Paulo não são raros. Por todo o minhocão só se vê pobreza e miséria humana. Dezenas de desabrigados e moradores de rua fazem da avenida suspensa sua moradia.
Gustavo nos deixou no hotel. Tomei um relaxante banho e dormi assistindo um filme erótico na tv à cabo do quarto.

5.6.08

Boas Notícias!

São Paulo, chegando às portas da PUC Perdizes
Véspera de feriado, quase duas da tarde...

Envio uma mensagem:
- Aoo Puto! E aí, arrumou um pedaço de chão pra eu dormir? Vamos pro bar!

Nada. Não será dessa vez.

No meio da aula sinto o telefone celular vibrar no bolso da calça. Era meu amigo, me respondendo:
- Boas notícias!

Fui tomado pela emoção, pois fiquei extasiado ao saber que passaria mais três dias na Monstruo-Cidade de São Paulo, mas como não sabia se eu ia ficar mesmo até receber esta ligação, eu não levei roupa alguma. Teria que vestir as mesmas calças, meias, cueca e camiseta que estava usando naquele momento.

Foi neste momento que um receio me acometeu. Tive medo dos lugares que eu podia conhecer e chegar impulsionado pelo meu desejo.
E agora? Nem sequer havia levado escova de dentes.
Será?

Então, respondi:
-Demorou!

19.5.08

Meu eu sente inveja de mim mesmo

17.2.08

No primeiro dia de trabalho custei muito a pegar no sono
A ansiedade transbordava
E quando finalmente adormeci já era tarde da noite
Bem cedo o despertador rompeu o cochilo
Tomei banho, me vesti, tomei café
E tamanha foi minha surpresa ao me deparar
Com tantas pessoas, logo cedo, indo trabalhar
De onde saía tanta gente?
Meus dias de estudante universitário estavam acabados
E naquela madrugada o fluxo da multidão passava por mim
Zunindo em carros, ônibus, motos e bicicletas
Meu primeiro dia de muitos como um trabalhador

26.1.08

Quem dera a vida fosse feita de escolhas tão simples
Como optar entre este ou aquele sabor de sorvete