27.9.09

41.

"É preciso testar a si mesmo, dar-se provas de ser destinado à independência e ao mando; e é preciso fazê-lo no tempo justo. Não se deve fugir às provas, embora sejam porventura o jogo mais perigoso que se pode jogar, e, em última instância, provas de que nós mesmos somos as testemunhas e os únicos juízes. Não se prender a uma pessoa: seja ela a mais querida - toda pessoa é uma prisão, e também um canto. Não se prender a uma pátria: seja ela a mais sofredora e necessitada - menos difícil é desatar de uma pátria vitoriosa o coração. Não se prender a uma compaixão: ainda que se dirija a homens superiores, cujo martírio e desamparo o acaso nos permitiu vislumbrar. Não se prender a uma ciência: ainda que nos tente os mais preciosos achados, guardados especialmente para nós. Não se prender ao seu próprio desligamento, ao voluptuoso abandono e afastamento do pássaro que ganha sempre mais altura, para ver mais e mais coisas abaixo de si: - o perigo daquele que voa. Não nos prendermos às próprias virtudes e nos tornarmos, enquanto todo, vítimas de uma nossa particularidade, por exemplo de nossa 'hospitalidade': o perigo por excelência para as almas ricas e superiores, que tratam a si mesmas prodigamente, quase com indiferença, exercitando a liberalidade ao ponto de torná-la vício. É preciso saber preservar-se: a mais dura prova de independência".

FRIEDRICH NIETZSCHE - Além do bem e do mal