29.12.09

"O conhecimento é uma mariposa".

CARLOS CASTANEDA, Porta para o infinito.

23.12.09

Distância II

"Qual é a boa distância entre os corpos? Essa é uma primeira variável. Pode variar de acordo com os corpos, de acordo com todo tipo de coisas. É um pouco como se diz que há uma boa distância para ver, mas não é a mesma para ver a você ou para ver a uma mesa. Não é a mesma. Há variações de distâncias segundo a natureza dos corpos em relação. Este seria então um primeiro tipo de variável: a distância entre os dois corpos".

***
"E aqui chamo faceta, uma vez mais, a maneira em que um corpo se apresenta, o perfil sob o qual se apresenta. Ao fazê-lo, o corpo apresenta tal o qual a relação".

"E eu defendo a extraordinária mobilidade do corpo humano, mas igualmente do corpo animal, para apresentar facetas a uma velocidade multiplicada. Aqui ressurgiria o tema spinozista da velocidade. O modo em que um corpo pode repentinamente mudar de velocidade passando de uma faceta [...] a outra faceta".

"Ao mesmo tempo que mudam as distâncias, mudam as facetas do corpo".

***
"Qual relação se compõe com tal outra no encontro de dois corpos? Isso é muito variável, não há dois casos semelhantes. Às vezes é tal zona, tal região de relação, às vezes outra."


GILLES DELEUZE - Aula sobre Spinoza - 13 de janeiro de 1981, O critério ético do mau e do bom. Discussão sobre o simbolismo.

Distância I

"É muito interessante a maneira na qual as pessoas dizem "Bom dia". Não há duas pessoas que o façam da mesma maneira. O que é dizer "Bom dia" a alguém em termos spinozistas? Dois corpos se aproximam um do outro... Oh! Como vão se receber? Como vão atenuar o choque? Há então pessoas que dizem "Bom dia" a distância. É o "Bom dia" esquizo. O "Bom dia" esquizofrênico diz: "Não cruze este limite". Mas além desse limite, as relações não se compõem mais, vão se decompor. São muito, muito, muito diversas todas estas histórias. Estão, ao contrário, os... Como dizer-lo?... os tocadores. O abraço, o "Bom dia" com abraço. Quem pode ser? Os maníacos: "Ah, existe... Ah, está bem. Ou não". Seria o "Bom dia" histérico. O "Bom dia" histérico é a pura presença. Jamais estará presente o bastante. "Sinta como estou presente. Vê? Estou aqui. Me viu? Estou aqui. Sim, me viu! É verdade! Me viu? Pois sou eu! E é você!" Aqui está, esse é o "Bom dia" histérico. Escolham então vocês mesmos. Não há mais que isso, não há mais que este problema de distância entre os corpos. Há problemas de apresentação de facetas. Recordo um senhor que me fascinava quando me dizia "Bom dia". Muito curioso. Pegava sua mão sobre sua cadeira, a mão saía da cadeira, girava sobre ela... Tinha que ir buscar a mão sobre a cadeira. E as pessoas que têm dois dedos? Isso existe, é bem sabido".


GILLES DELEUZE - Aula sobre Spinoza - 13 de janeiro de 1981, O critério ético do mau e do bom. Discussão sobre o simbolismo.

30.11.09

À flor da pele - Zeca Baleiro

Ando tão à flor da pele
Qualquer beijo de novela
Me faz chorar
Ando tão à flor da pele
Que teu olhar "flor na janela"
Me faz morrer
Ando tão à flor da pele
Meu desejo se confunde
Com a vontade de não ser
Ando tão à flor da pele
Que a minha pele
Tem o fogo
Do juízo final...

Barco sem porto
Sem rumo, sem vela
Cavalo sem sela
Bicho solto
Um cão sem dono
Um menino, um bandido
Às vezes me preservo
Noutras, suicido!

Ética II

2.

O que é bom? - Tudo o que eleva o sentimento de poder, a vontade de poder, o próprio poder no homem.
O que é mau? - Tudo o que vem da fraqueza.
O que é felicidade? - O sentimento de que poder cresce, de que uma resistência é superada.
Não a satisfação, mas mais poder; sobretudo não a paz, mas a guerra; não a virtude, mas a capacidade (virtude à maneira da Renascença, virtù, virtude isenta de moralina).
Os fracos e malogrados devem perecer: primeiro princípio de nosso amor aos homens. E deve-se ajudá-los nisso.
O que é mais nocivo que qualquer vício? - A ativa compaixão por todos os malogrados e fracos - o cristianismo...

FRIEDRICH NIETZSCHE - O Anticristo

29.11.09

Ética I

“… Tudo é um entre um milhão de caminhos [un camino entre cantidades de caminos]. Portanto, você deve sempre manter em mente que um caminho não é mais do que um caminho; se achar que não deve seguí-lo, não deve permanecer nele, sob nenhuma circunstância. Para ter uma clareza dessas, é preciso levar uma vida disciplinada. Só então você saberá que qualquer caminho não passa de um caminho, e não há afronta, para si nem para os outros, em largá-lo, se é isso que o seu coração lhe manda fazer.

Mas sua decisão de continuar no caminho ou largá-lo deve ser isenta de medo e de ambição. Eu lhe aviso. Olhe bem para cada caminho com rigor cautela. Experimente-o tantas vezes quanto achar necessário. Depois, pergunte-se, e só a si, uma coisa. Essa pergunta é uma que só os muito velhos fazem. Dir-lhe-ei qual é: esse caminho tem coração?

Todos os caminhos são os mesmos; não conduzem a lugar algum. São caminhos que atravessam o mato, ou que entram no mato. Em minha vida posso dizer que já passei por longos, longos caminhos, mas não estou em lugar algum. A pergunta de meu benfeitor agora tem um significado. Esse caminho tem um coração? Se tiver, o caminho é bom; se não tiver, não presta. Ambos os caminhos não conduzem a parte alguma; mas um tem coração e o outro não. Um torna a viagem alegre; enquanto você o seguir, será um com ele. O outro o fará maldizer a sua vida. Um o torna forte, o outro o enfraquece.”

CARLOS CASTANEDA, A erva do diabo - Ensinamentos de Don Juan.

27.9.09

41.

"É preciso testar a si mesmo, dar-se provas de ser destinado à independência e ao mando; e é preciso fazê-lo no tempo justo. Não se deve fugir às provas, embora sejam porventura o jogo mais perigoso que se pode jogar, e, em última instância, provas de que nós mesmos somos as testemunhas e os únicos juízes. Não se prender a uma pessoa: seja ela a mais querida - toda pessoa é uma prisão, e também um canto. Não se prender a uma pátria: seja ela a mais sofredora e necessitada - menos difícil é desatar de uma pátria vitoriosa o coração. Não se prender a uma compaixão: ainda que se dirija a homens superiores, cujo martírio e desamparo o acaso nos permitiu vislumbrar. Não se prender a uma ciência: ainda que nos tente os mais preciosos achados, guardados especialmente para nós. Não se prender ao seu próprio desligamento, ao voluptuoso abandono e afastamento do pássaro que ganha sempre mais altura, para ver mais e mais coisas abaixo de si: - o perigo daquele que voa. Não nos prendermos às próprias virtudes e nos tornarmos, enquanto todo, vítimas de uma nossa particularidade, por exemplo de nossa 'hospitalidade': o perigo por excelência para as almas ricas e superiores, que tratam a si mesmas prodigamente, quase com indiferença, exercitando a liberalidade ao ponto de torná-la vício. É preciso saber preservar-se: a mais dura prova de independência".

FRIEDRICH NIETZSCHE - Além do bem e do mal

10.5.09

"Tudo quanto acontece, quando é significativo, tem a natureza de uma contradição. Até quando chegou aquela para quem isto é escrito, eu imaginava que em algum lugar fora de mim, na vida, como dizem, estava a solução para todas as coisas. Eu pensava, quando a encontrei, que estivesse agarrando a vida, agarrando algo que pudesse morder. Ao invés disso, desprendi-me completamente da vida. Procurei algo a que me apegar - e nada encontrei. Mas ao procurar, no esforço para agarrar, para apegar-me, perdido como fiquei, encontrei uma coisa que não buscava - eu próprio. Descobri que aquilo que eu desejara toda a minha vida não era viver - se o que os outros fazem chamar viver -, mas expressar-me".

HENRY MILLER, TRÓPICO DE CAPRICÓRNIO